" É irritante saber que até eu abuso do verbo amar, esse verbo que pretende dizer tudo e não diz nada.
Já expliquei isso diversas vezes para uma das minhas analisandas, que apelidei de Madame Bovary, porque se chama Emma como a personagem de Flaubert e é magra, pálida, de olheiras azuladas como, aliás, todas as heroínas tísicas dos romances franceses do século dezenove. Minha paciente, como a Bovary, certa vez se apaixonou, mas, assustada com a inesperada paixão extraconjugal, não teve coragem de trair o marido e se arrependeu.
- Eu devia ter me entregado a ele - repetia sem parar.
Eu sabia que, assim como aconteceu com Madame Bovary, não demoraria muito para que minha paciente fosse para a cama com o primeiro estranho que aparecesse. Eu, em silêncio, talvez a incentivasse, a traição quando secreta pode ser benéfica ao casamento. O traidor passa a sentir culpa e tratar melhor seu cônjugue.
A minha Emma Bovary também tinha idéias românticas sobre a vida, e em mais de uma ocasião me perguntou:
- Todo mundo é capaz de amar?
Expliquei-lhe que todos somos capazes de transferir.
- Não sei o que significa o amor - insistiu a minha Madame Bovary.
- Ninguém sabe - Respondi."


[Paula Parisot, em "Gonzos e Parafusos".]

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