" E todos os espaços das nossas solidões passadas, os espaços em que sofremos a solidão, desfrutamos a solidão, desejamos a solidão, são indeléveis em nós. E é precisamente o ser que não deseja apagá-los. Sabe por instito que esses espaços de sua solidão são constitutivos. Mesmo quando eles estão para sempre riscados do presente, doravante estranhos a todas as promessas de futuro, mesmo quando não se tem mais o sótão, mesmo quando se perdeu a mansarda, ficará para sempre o fato de que se amou um sótão, de que se viveu numa mansarda. A eles voltamos nos nossos sonhos noturnos. Esses redutos têm valor de concha. E, quando vamos ao fundo dos labirintos do sono, quando tocamos as regiões do sono profundo, conhecemos talvez repousos ante-humanos. O ante-humano atinge aqui o imemorial. Mas, no próprio devaneio diurno, a lembrança das solidões estreitas, simples, comprimidas, são para nós experiências do espaço reconfortante, de um espaço que não deseja estender-se, mas gostaria sobretudo de ser possuído mais uma vez. Talvez outrora considerássemos a mansarda estreita demais, fria no inverno, quente no verão. Mas, agora, na lembrança reencontrada pelo devaneio, não sabemos por qual sincretismo a mansarda é pequena e grande, quente e fresca, sempre reconfortante."


[Bachelard]

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