O homem está morto?
O homem pode ser morto, ou somos eternos à medida em que traduzimos ao mundo aquilo que realmente somos?
Para Ferdinand Saussare, nós não somos, em nenhum sentido, os "autores" das afirmações que fazemos e dos significados que expressamos na língua.
Tudo o que falamos e pensamos, o modo como andamos e nos vestimos, as músicas que curtimos e os filmes que gostamos, tudo o que teoricamente faz de nós quem somos é, na verdade, fruto daqueles que existiram antes de nós.
É possível ser original, único?
Afinal, o que é ser original? É criar algo que nunca existiu ou transformar o que já existe, de tal modo que possa ser algo completamente novo e inteligente?
Para Roland Barthes, o autor de um texto não pode prever a leitura que cada pessoa fará do que ele escreveu, assim como um pintor, um músico, um poeta.
Mas aquele que o procede poderá transformar suas idéias em algo completamente novo, não matando o autor ou destruindo o que ele construiu, mas completando, adcionando novas idéias ao que já foi pensado e traduzido ao mundo.

Cada novo conhecimento que se adquire, faz nascer em nós um novo ser, capaz de conhecer um novo lado do mundo, aquele que antes nossos olhos estavam cegos para ver e, conseqüentemente, fazendo morrer aquele velho ser, desprovido de todo esse novo conhecimento. Assim, morremos e nascemos a cada luz que nos encandeia, como uma estrela que, morrendo, causa uma grande explosão repleta de vestígios do que foi, e dá a oportunidade para outras estrelas surgirem. Como no ciclo da vida e da morte, onde um está amalgamado ao ao outro, também um leitor está ligado a um autor. Eu, como leitora e pessoa comum (mas o que seria o comum?), me conheço e me formo através das coisas que falo, leio, vejo, como, escrevo, sinto. Como bem disse Sartre, "para saber uma verdade qualquer a meu respeito, é preciso que eu passe pelo outro". Então, nesse caso e em todos os outros, grande parte de minhas idéias foram baseadas nas pessoas que conheci, nos grandes e pequenos escritórios que li. Mas, essas idéias foram modificadas, nãos são as mesmas das que saíram da mente de tais autores. Daquilo que li, tirei minhas próprias conclusões, fiz minha própria interpretação. Desfigurei, assim, aquele que primeiro escreveu. Isso seria um assassinato, então. Mas, como disse Barthes, "o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do autor". E, faço novamente minhas as palavras de Sartre, quando este diz que "o terrível não é sofrer nem morrer, mas morrer em vão". Sendo assim, será que aquele a quem assassinei morreu em vão? Ele perpetuou seu conhecimento, e o de outros antes dele, através de mim. Sou eu quem faz dele o que ele é. E ainda assim, corro o rsico de cometer um outro assassinato, o de Sartre, pois nem sei ao menos se posso colocar a sua frase já citada dessa maneira.
Mas, que dar e receber é essa nossa vida. No mesmo instante em que meu corpo inteiro se mobiliza para escrever o que agora está aqui, os olhos de algum leitor ávido interpreta minhas palavras. Atribuirá a estas coisas o mesmo sentido que eu lhes quis atribuir? Duvido. Mas é um risco que se corre. E é preferível morrer dessa forma, sem glória, do que jamais ter tido a coragem de dizer ao mundo como eu o via, mesmo que esse mesmo mundo desfigure minha face e disseque meu corpo, com pouca ou nenhuma piedade, em um dia não muito distante.
Assim, podem me qustionar se acredito que haja a originalidade. Depois de tudo o que escrevi, o leitor poderia interpretar-me de forma errônea. Poderia crer que não acredito na originalidade e que os pensamentos de todos os homens, sejam estes iletrados ou não, estão conectados por um único e mesmo fio. Mas penso que há um originalidade que surge de toda influência que recebemos e que é capaz de superá-la, ultrapassá-la até que se possa seguir o seu próprio caminho. Afinal, como construir uma torre firme sem uma base sólida? A um pensamento original meu, canto apenas uma canção de um famoso cantor brasileiro, Vercilo, "não se ofenda com meus amores de antes, todos tornaram-se pontes para que eu chegasse a você". Cada livro que lemos é um pedacinho de um quebra-cabeça gigante, que, quando pronto, será nossa mais original criação. Em todo caso, trata-se de ter algo a dizer, não de repetir ou perpetuar o mesmo.
Para entender melhor, o que se quis dizer aqui, usarei o exemplo de um famoso psicanalista, na verdade, o próprio pai da Psicanálise, Sigmund Freud. Ele criou a Psicanálise, um dos tripés da Psicologia, não do nada, mas transformou o que conhecia da Medicina (cujo mestre foi Hipócrates) e completou usando conhecimentos sobre a psique humana.. Ele não assassinou ninguém, mas foi totalmente novo ao transformar. Aliás, "nada se perde ou se cria, mas tudo se transforma". E, depois de Freud, outros (como Jung, Lacan, Klein) vieram modificar e interpretar de formas diferentes o que ele deixou. Jung enveredou pela Psicologia Analítica, Lacan transformou pontos da Psicanálise freudiana em Lacaniana, e Klein em kleniana. Mas todos eles era originais. Seria como se Freud representasse a imagem do Rio Sena, e cada um dos discípulos que o procederam o retratasse ao olhar de cada uma das vanguardas européias. Jung, o expressionismo; Lacan, o cubismo; Klein, o futurismo. Dali sairiam pinturas diferentes, obras diferentes, mas baseadas e inspiradas em uma mesma paisagem.
"O gênio se manifesta no superar, na ousadia de subir nos ombros dos grandes mestres, de construir algo além da sombra da autoridade destes".

Interessante constatar que a originalidade pode existir, mesmo que seja possúvel constatar sua negação por toda parte. E tudo depende do olhar de quem vê. Sendo assim, declaro que o homem não está morto. Jamais poderá ser morto. Não enquanto existirem no seio do mundo homens capazes de pensar e transformar. Cada ser humano é único, cada idéia é única, mesmo que as diferenças sejam mínimas, quase invisíveis aos olhos de quem não se detém olhando minunciosamente pelo tempo necessário.

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