Naquele pôr do sol inolvidável de Israel, era o mês de Nisan ( abril / maio ), na Palestina .
As rosas de Xaron davam gargalhadas de perfume nos montes; as gramíneas verdes, salpicadas de violetas, embalsamavam o ar de perfumes variados.
Na escadaria do Templo de Salomão, que fora criado por Zorobabel, um homem de uma beleza invulgar contempla o Hebron coroado de neve . Há no porte daquele homem uma grandeza incomum : os cabelos ao vento , os dois olhos são duas estrelas cravejadas na face ; a barba caindo sobre o tórax magro e a personalidade característica do Filho de Deus .
Passa diante dele uma jovem mulher, vendedora de ilusões. Ela corrige a roupa da Babilônia, conserta os cabelos ajaezados de gemas e olhando para ele diz-lhe:
- Nazareno, eu sei que tu és um Nazareno; teus cabelos e tua barba são nazarenos. Eu desejo te fazer um convite: hoje é o dia do meu aniversário. Quero convidar-te para que venhas à minha casa nesta noite onde darei uma festa. Tu virás?
Ele a olhou.
Era uma jovem estuante de vigor e sensualidade.
Ele deu um toque especial de ternura na voz e respondeu-lhe:
- Hoje, hoje eu não posso.
-Ó Nazareno! Eu quero dizer-te que sou a vendedora de ilusões mais famosa de Jerusalém. Pelo meu leito de veludo passaram os homens mais ricos de Israel. Hoje mesmo eu recusei um vendedor da Iduméia, um príncipe egípcio e um sacerdote do Templo. Hoje é o dia do meu aniversário e eu quero permitir-me o luxo de convidar o meu parceiro para esta noite. Convido-te a ti. Tu virás?
- Mulher, hoje eu não posso.
- Nazareno , eu não me fiz entender . Eu tenho as urnas repletas de moedas e gemas . Eu me permito o luxo de eleger quem me apraz. Quero dizer-te que hoje sou uma mulher especial . A minha festa será um louco bacanal . Eu quero te convidar , mas não te cobrarei nada ! Quero ter-te ao meu lado para uma noite de volúpia ! Colocarei uma escrava nua para bailar diante de ti. Tu virás?
- Mulher, hoje eu não posso.
- Ó Nazareno ! Eu te suplico! Vem à minha casa ! Eu estou tão acostumada com os homens , mas não te pedirei nada ! Jamais eu vi um homem como tu ! Eu quero convidar-te para que venhas à minha casa de meretriz , te deites no meu triclínio, enquanto eu ficarei à porta contemplando a tua beleza , para que eu possa dizer mais tarde , que um dia , um homem que era bom como o mel , puro como a chama do fogo e nobre como a espada nua, passou pela minha casa de pecadora e não me conspurcou. Vem hoje . Eu não te pedirei nada . Não estranhes se eu te falo assim , mas deixa-me dizer-te: eu te amo ! Eu vejo nos teus olhos uma estranha chama e se assim eu procedo é porque te amo ! Vem!
Ele se levantou, olhou aquela mulher aturdida, e disse-lhe quase com ternura:
- Perdoa-me! Hoje eu não posso! Mas um dia, um dia eu atenderei ao teu chamado. Um dia eu irei. Não hoje.
- Se tu não vens hoje, não voltes nunca mais! Eu sou mulher que não tem amanhã! Logo depois me atarão ao poste do Templo e me apedrejarão até a morte! Eu vivo o presente! Se tu não vens agora, não venhas mais Nazareno belo! Tu virás?
- Mais tarde...
A mulher saiu revoltada e desapareceu na esquina do Templo . Dois anos depois , no mês de Gizlé ( setembro / outubro em Israel), um homem belo estava diante da multidão no poço de Betesda. Ele atendia aos corpos esfarrapados e as almas dilaceradas.
Repentinamente, acercou-se-lhe uma mulher nobre , falou-lhe qualquer coisa ao ouvido e perguntou-lhe:
- Tu virás?
- Irei contigo.
A mulher segurou-lhe a mão, atravessou a ravina e disse:
- Lá dentro, Senhor! Na furna, lá dentro!
Ele se adentrou por uma gruta, fechou os olhos, por causa do claro-escuro do dia, escutou um gemido, alongou as mãos de dedos níveos, foi às apalpadelas, até que tocou uma cabeça úmida de pus, arrancando-lhe os cabelos, no contato com seus dedos. Olhou, e aquele corpo, que tresandava odores nauseantes, começou a mover-se e a gritar:
- Foge! Que queres de mim? Foge! Se vieste em busca de perfumes, já não os tenho para vender e se vieste por piedade, foge! Deixa-me morrer! Eu sou toda podridão! Deixa-me em paz!
- Não posso...Um dia, tu me chamaste e eu te disse: depois!
Eu aqui estou.
A mulher ergueu a cabeça, limpou os olhos em duas feridas abertas em chagas vivas e disse:
- Ó Nazareno belo! Por que demoraste tanto? Eu te esperei dois anos! Desde aquele dia, eu, que já não tinha paz, perdi a alegria de viver. Por que demoraste tanto? Eu havia colocado na minha janela uma lâmpada acesa para que te iluminasse o caminho durante a noite e tu não vieste! Agora é tarde! Vê o que os homens fizeram de mim! Sou um pântano! Deixa-me, Nazareno! Eu te agradeço porque vieste, mas é tarde! É tarde.
- Nunca é tarde para quem ama! Tu não viste, depois que o sol calcina a terra, a primavera beija com tranquilidade os campos e eles explodem de flores? Tu nunca viste nos muros velhos, a relva verdejante erguer bandeiras de esperança? Tu nunca viste o pântano tornar-se jardim de perfumes?
Assim é todo aquele que ama! Tu me chamaste, eu te disse que voltaria. Eu aqui estou!
E dobrando-se sobre a mulher ergueu-a, estreitou-a ao peito magro, saiu à claridade do dia. A mulher envergonhada cobriu o rosto, os olhos, os lepromas da face. Ele lhe tirou a mão.
Lembrou-se do diálogo de Jerusalém e olhando os olhos, agora marcados de pus, ele disse:
- Eu te amo! Descubro nos teus olhos uma estranha chama. Não me censures. Eu assim procedo porque te amo. Já que teu corpo não me serve para nada, dá-me a tua alma! “Ego bonus pastor sum!” E aquela ovelha que o Pai me confiou não se perderá! Vem comigo e eu te darei a paz.
E saiu na direção do dia!
A Doutrina Espírita hoje é Jesus de Nazaré, que volta neste imenso paul que é a Terra! Ele distende os braços e diz pela boca dos imortais: “Sine depárgulus venire ad me!” Oh! vinde a mim todos vós que estais cansados e aflitos; tomai sobre vós meu jugo, recebei o meu fardo e aprendei comigo que sou manso e humilde de coração! Meu fardo é leve, meu jugo é suave! Vinde a mim!
(Texto proferido no final da conferência de encerramento do 1º e do 14º Congresso Espírita do Estado do Ceará - CONECE, nesse mês de Dezembro de 2010, pelo médium Divaldo Pereira Franco).
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