Sobre os Sentimentos da Líquida Sociedade Moderna

Fui à biblioteca da faculdade sem pretensões de leitura à priori. Fiz uma rápida pesquisa no acervo com o assunto "temas contemporâneos", e encontrei esse livro com um nome bem singular, embora comum para quem já está acostumado à leitura de Zygmunt Bauman. Amor Líquido... Fiquei imaginando que o amor deveria ser um sentimento sólido, duradouro, e, por isso, à princípio não compreendi o sentido de líquido... essa substância que escorre por entre os dedos... até começar a ler o livro. E já na introdução eu pensei: "Esse cara é show!". Talvez porque ele fale tudo o que eu imaginava que tava acontecendo com os sentimentos do mundo e com suas relações... Esse mundo que parece a cada dia mais perdido e vazio de sentidos. E, definitivamente, não é admirável o aumento no número de pessoas que tentam e conseguem cometer suicídio em uma sociedade que trata cada cada vez mais as pessoas (que formam a própria sociedade!) como se fossem lixo, descartáveis. "Te quis ontem, não te quero hoje, tchau!". Ou "Ei, eu tava tomando banho e pensando, aí eu descobri que não te amo mais!". WTF!!!!!!
Enfim, se fazemos parte dessa sociedade líquida que transforma pessoas em produtos consumíveis, posso dizer que também tratamos as pessoas dessa forma. Afinal, geralmente ao dizermos "a sociedade" pretendemos nos excluir dela, mas de jeito nenhum! Diga em voz alta: "Eu trato as pessoas como produtos descartáveis". Não se ofenda, eu não me ofendo. É realidade! O que é essa descartabilidade? É você entrar em um relacionamento com alguém, ficarem juntos uns meses, ou anos, e depois, quando essa relação lhe parecer desgatada ou que não há mais nada com o que aquela pessoa possa lhe contribuir, você "descobre" que não a ama mais. É nesse sentido, entende? Todos fazemos isso. Entramos e saimos constantemente de relacionamentos. E o que acontecia há alguns séculos era justamente o contrário: entrava-se em um relacionamento, no caso, o casamento, e vivia-se unido à pessoa com quem se casou "até que a morte os separe". Mas, era uma união praticamente forçada pelos designios da sociedade na época, pois faltava-se muitas vezes o companheirismo, o respeito, a liberdade e o amor.
Com a mudança dos tempos e dos costumes os tipos de relacionamento também mudaram e pouquíssimas pessoas aceitam estar em um relacionamento à força, sem amor. E acho que o "até que a morte os separe" deveria ser repensado e trocado por outros termos menos hipócritas, tipo: "até que o amor acabe" ou "até que um não possa mais contribuir com o crescimento do outro". Porque a gente até entra em um relacionamento querendo que ele dure, porque o sentimento está forte em nosso coração, mas e se esse sentimento vai enfraquecendo? E se a gente realmente quiser dar para trás? É muito melhor ser honetos consigo e com o outro e dizer: "Desculpa, não dá mais". A dificuldade está, penso eu, no fato de que queremos ser donos do outro, no apego, no sentimento de posse. "Você é meu! E não será de mais ninguém". Ainda vai rolar um tempo até compreendermos que ninguém é de ninguém e que os relacionamentos são momentos de contato e crescimento, de troca de experiências e construção de histórias. Eu ponho um tijolinho, você põe outro, sicrano põe mais um... A gente tem que aprender a deixar as pessoas irem sem pensar que, por nos deixarem , ela nunca tenham nos amado realmente.
Bem, isso são apenas algumas considerações pessoais, mas creio que para quem se interessa pelas mudanças nos relacionamentos, por esse amor líquido (sentimentos líquidos) vale à pena ler essa obra de Bauman.

Recortes da Prefácio:

" A misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos, é o que este livro busca esclarecer, registrar e apreender.
(...)
O principal herói deste livro é o relacionamento humano. Seus personagens centrais são homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com quem possam contar num momento de aflição, desesperados por 'relacionar-se'. E no entanto desconfiados da condição de 'estar ligado', em particular de estar ligado 'permanentemente', para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para - sim, seu palpite está certo - relacionar-se...
(...)
De modo diferente dos ratos, os seres humanos que se veem em tais cirscuntâncias podem pedir ajuda a especialistas que oferecem seus préstimos em troca de honorários. O que esperam ouvir deles é algo como a solução do problema da quadratura do círculo: comer o bolo e ao mesmo tempo conservá-lo; desfrutar das doces delícias de um relacionamento evitando, simultaneamente, seus momentos mais amargos e penosos; forçar uma relação a permirtir sem desautorizar, possibilitar sem invalidar, satisfazer sem oprimir..."

E, aí? Deu vontade de ler? 
Não recomendado para românticos. Risco de traumas. Em caso de insistência, não diga que não avisei e procure um psicoterapeuta.


Comentários

Concordo com você Brenna sobre manter um relacionamento sem amor é algo que não ajuda em nada no desenvolvimento espiritual, afetivo e intelectual do casal, porém um problema que você mesma disse nessa postagem é esse estado liquido das relações que as pessoas têm. O que, eu quero dizer com isso é que as pessoas deixam esse amor acabar, pois ele não é uma emoção que tem um fim imediato. Amor é um sentimento mais prolongado e ele se desgasta na medida em que um dos dois permitiu que isso acontecesse e é por isso que há casamentos que tem seu fim por parte de um lado. Não digo que esteja errada, pois as estações mudam e nos também algumas vezes o amor simplesmente muda e não vale existir um casamento nesse relacionamento e continuar com ele como uma amizade, talvez, mas parece que não estamos preparados para isso. Somo possessivos demais.
Taty disse…
Bela postagem, ótima reflexão. Os relacionamentos estão cada vez mais frágeis hoje em dia além da superficialidade que se faz presente. A solidez,a intensidade e a profundidade estão cada vez mais raras.
Abraços, Taty.

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