Desapegue-se já!

Desapego vem de "apego", que possui sua origem no latim picare e significa "trazer consigo, pegar". Logo, é bem próximo de possuir. E, para a maioria de nós, é sinônimo de amar. Desde crianças somos condicionados a crer que devemos amar tudo o que possuímos e, consequentemente, possuir tudo o que amamos. Daí, quando adultos mantemos o costume de prender as coisas e pessoas que amamos junto de nós. Acredito que foi desse ponto de partida que criaram os pronomes possessivos. Tipo: MEU namorado, SEU problema, NOSSO dinheiro.
O que quero dizer é que os objetos vão e vem. Você pode possui-los por um tempo significativamente longo, mas de repente, ou aos poucos, eles se vão, desaparecem sem deixar pistas. Tipo quando você tem uma blusa preferida, já com furos e desbotando, esquece de usá-la por um ou dois meses e quando lembra de usá-la sua mãe já fez o favor de doá-la aos mais necessitados ou reciclá-la como pano de chão. Acredite, a MINHA, a SUA, a NOSSA mãe faz isso. E você também o fará quando tiver filhos.
Enfim, são objetos: os ladrões roubam, as traças corroem e o tempo leva. Você sofre momentaneamente quando eles se vão, mas sempre há uma maneira de substituí-los.
E se forem animaizinhos de estimação? Bem, é óbvio que não são objetos, tampouco poderão ser substituídos, ainda que por outros da mesma espécie ou raça. Mas, eles simplesmente estão ali, fazendo parte da sua vida sem nada pedir ou cobrar. Eles não disseram que nunca iam te deixar, mas você sabe que um dia irão, embora evite pensar nisso. Até mesmo porque se você pensar nisso o tempo todo, vai viver sofrendo por antecipação e... é um louco psicótico perverso maníaco depressivo. Não sei se dá pra gente dizer: é MEU cachorro, é SEU gatinho, mas a gente pode começar a ver pelo ângulo de que a vida nos presenteia com a presença desses seres, para que possamos ajudá-los em sua evolução, assim como eles ajudam a nos humanizar. Tipo como realmente um lar temporário, onde devem ser tratados com amor e aprender a ser amados, para que um dia, em meio à sua evolução, saibam dar amor também. Sofremos quando eles se vão, mas aceitamos sua partida como parte da existência.
Mas, e as pessoas? Ganhamos aqui um novo nível: o da consciência, mais especificamente, a consciência de liberdade. Ao nos relacionarmos com as demais pessoas, imaginamos que devemos estar juntos por toda uma vida, de modo meio grudento até, como um casal de novos namorados. E quando as pessoas optam por ir embora, meio que "quebrando" um contrato invisível, implícito no pedido de namoro ou casamento, nós nos sentimos arrasados, traídos e ficamos obcecados. E o facebook ajuda, e muito, nessa obsessão.
A verdade é que, enquanto seres livres, temos a necessidade de transitar por inúmeros relacionamentos, de sentir algo hoje e amanhã sentir uma coisa completamente diferente. Se não nos apegássemos tanto, se não quiséssemos tanto que as pessoas fossem só nossas, e não do mundo, como realmente são, sofreríamos menos com as perdas e aproveitaríamos muito mais os momentos passados juntos.
Acreditamos tanto no "pra sempre" que esquecemos que ele acaba, e que o final nem sempre é feliz. Enquanto formos seres mutáveis, em processo constante de evolução e crescimento, numa saga eterna em busca de quem somos, não podemos prometer que estaremos ao lado de alguém pra sempre, nem cometer o erro, no qual insistimos, de achar que esse alguém também estará conosco, e nos amará ou gostará de nós.
Só devemos aprender a deixar as pessoas irem... É, dói sim, quando elas se vão... Mas, quando Carlos Drummond de Andrade disse que o sofrimento é opcional, ele quis dizer que está em nossas mãos o poder de decidir entre continuar sofrendo ou ser feliz. Você pode reverter as perdas em ganhos. Ao invés de chorar, pode sorrir e estender a mão ao outro e dizer: "Ei, obrigada por todos os momentos inesquecíveis que passamos juntos, por dividir sua alegria e também sua tristeza, e até por ter me dado, mesmo que por breve espaço de tempo, um pouquinho do seu amor. Agora, onde quer que eu vá, levarei um pedacinho de você comigo e você levará um pedacinho de mim também."
Apenas, deixemos as pessoas irem...Mas, também, vamos abrir espaço para que elas se aproximem e, já que é nas relações que nos construimos, deixem sua contribuição para sermos quem somos.

Até onde eu posso ir com o apego? A lugar algum. Ele nos torna cárceres e carcereiros.

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