Eu, por Kahlil Gibran
Em um de seus mais belos poemas, o poeta decifra um pedacinho de alguém, qualquer ser espalhado ao mundo, caminhante errante de lugar algum:
Italy [ by *rooze23] |
"(...)
Eu era livre como os pássaros, devassando os vales e as florestas, voando pelos céus sem fim. Ao anoitecer, descansava sobre os galhos das árvores, balançantes, contemplando os templos e os palácios da Cidade de Nuvens Coloridas, que o sol constrói pela manhã, e destrói antes do entardecer.
Eu era como um pensamento a caminho, sozinho e em paz, a leste e a oeste do Universo, regozijando-me com a beleza e a alegria da Vida, perscrutador, inquirindo a respeito do magnífico mistério da Existência.
Eu era como um sonho a voar, escondido, sob as asas da noite, amigas, entrando pelas janelas cerradas das íntimas alcovas das mulheres lindas, travesso, acordando as suas esperanças... Sentava junto a adolescentes e excitava seus desejos... Penetrava nos domínios dos mais idosos e perscrutava-lhes os pensamentos de sereno contentamento.
(...)
Alto, por um momento, que estou reconquistando as minhas forças e desatando os pés cansados das pérfidas algemas! Derrubei a taça da qual bebi teu veneno delicioso... Mas me encontro, agora, desnorteado, em terra estranha. Que hei de fazer? Ou tomar - que rumo?
Recuperei a liberdade. Aceitas-me, agora, como um companheiro consciente que olha para o sol com serenos olhos e mãos que prendem o fogo sem tremer?
Reabri minhas asas e estou pronto para voar. Queres acompanhar um jovem que passa os dias perambulando pelas montanhas, como uma águia solitária e que vagueia noites e noites pelos desertos, como um leão?
Será que te contentas com a afeição de quem, como eu, considera o Amor como um companheiro e o acite como um senhor?
Será que aceitas um coração que ama e não se rende? Que se inflama, porém resiste, incólume?
Será que te sentes bem com uma alma que treme ante a tempestade, mas não se entrega?
Aceitas um companheiro que não escraviza e também não aceita que o escravizem?
Será que me queres, que eu seja teu, mas não me domines, querendo o meu corpo, não o meu coração?
Pois aqui tens a minha mão. Aperta-a com tua linda mão. E aqui tens meu corpo. Abraça-o com teus lindos braços. E os meus lábios. Beija-os, com um beijo - estonteante!"
[Poema: A encantadora Huri - Livro: Segredos do Coração - Kahlil Gibran, 1957]
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